Problemas práticos do romantismo teórico – XXV

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Poucas coisas são mais complicadas quando se trata de relacionamentos humanos do que conseguir dimensionar corretamente a impressão que você deixou em alguém. Não existem indicadores claros, não existem regras de proporcionalidade, não existe nenhuma sistemática que oriente ou regule o quanto você lembra de alguém em relação ao quanto essa pessoa se lembra de você.

Pessoas que você se esforçou por anos pra esquecer em quinze dias nem lembravam mais o seu nome, aquele telefonema que você lutou contra si mesmo durante meses para não fazer mas acabou realizando num momento de bebida e fraqueza é respondido com um “mas marcos? qual deles? o da academia?” e você ficou sabendo através de amigos que aquela garota que na sua cabeça está indexada como “a garota que foi embora” se refere a você em eventos sociais como “o carequinha que falava engraçado”.

E claro, o contrário também acontece. Pra você foi um beijo, pra ela foi uma noite inesquecível, pra você foi um casinho na firma, pra ela foi um tórrido romance com um colega de trabalho sedutor, pra você foi um sexo no qual você tenta não pensar muito porque estava bêbado, ela escreveu um conto erótico chamado “a noite em que marcos me ensinou a dedilhar a guitarra sagrada do prazer com sua deliciosa palheta viril” usando o nick sacerdotisa_da_noite_1981.

Isso porque em qualquer tipo de interação social estamos sempre reféns não só da nossa capacidade de percepção como também da nossa vontade de distorcer essa percepção pra que ela bata com as nossas expectativas. Você não quer se envolver e nem magoar a garota, então vai tentar ler em todas as atitudes dela a mesma postura, mesmo quando ela mostra uma montagem de como seriam os filhos de vocês dois. Da mesma maneira que quando profundamente apaixonado você vai transformar tudo em provas de que ela se sente do mesmo jeito, desde o fato de que ela só quer te encontrar longe de conhecidos até a insistência dela em nunca dormir na sua casa, passando pelo fato dela se referir a você apenas como “número 12” e dizer que seu nome “não importa”.

E somando isso ao fato de que a maior parte de nós não tem exatamente uma grande facilidade pra expressar os seus sentimentos de forma clara e sincera (quantos “te acho muito legal” não queriam na verdade dizer “eu te amo” e quantos “eu te amo” não eram apenas versões assustadas de um “tenho medo de ficar sozinho pra sempre e li que gatos podem sim comer a carne de seus donos depois da morte. dos donos não dos gatos. ou será que dos gatos? meu deus”) o jogo de entender o quanto você marcou alguém e justificar o quanto essa pessoa te marcou se torna mais e mais complexo, porque não podemos confiar nem mesmo no que é dito diretamente pra nós pelo outro.

Aplicando isso em todos os mais diversos tipos de relações – pra você ele era um amigo, pra ele você era um colega de trabalho, você não lembra do cara em quem jogou água com o carro, ele vai lembrar daquele passat cor verde-chumbo pra sempre – é natural que tenhamos surpresas com coisas desse tipo, seja pra mais, seja pra menos, seja marcando por demais alguém, seja porque as pessoas apenas esqueceram completamente de nós.

Mas nada disso me preparou, é claro, pro fato de que a fonoaudióloga com quem eu fiz apenas uma consulta, em 2009, me reconhecesse no metrô e me perguntasse se eu já voltei pro rio depois daquele meu mestrado na europa. Claramente preciso aprender a ser sincero com prestadores de serviço e não ficar usando o mesmo tipo de desculpa que o vilão galinha usa pra se livrar da mocinha numa comédia romântica.

E não, eu não falei a verdade, eu disse que tinha vindo visitar, voltava pra Oslo no outro dia, nada de retorno as sessões por enquanto.

2 Comentários

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2 Respostas para “Problemas práticos do romantismo teórico – XXV

  1. Primeiramente: Já é ruim o suficiente quando isso acontece, de passar anos pensando em quem não gastou horas pensando em você. Pior ainda é achar que a ferida nunca cicatriza.

    Segundamente: Existe premiação para melhores tags? Tipo um “Oscar de tags”, ou algo assim? Porque, se existir, eu acho que “dispensando profissionais liberais dizendo que não são eles é você” e “um dia eu encontrei a minha antiga diarista e ela perguntou se eu já tinha voltado de são paulo e eu me senti tentado a fingir ser outra pessoa” precisam ser avaliadas com carinho pela Academia.

  2. anaspol

    Ah, eu não sei inventar. Devo mentir muito mal. E se eu não lembro da pessoa, eu aviso. “Desculpa, mas… quem é você?”

    Agora, tem gente que já vem me chamando de Aninha e perguntando como vão as coisas e eu apenas digo que vão bem, obrigada, e com você?

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