Mini-conto #18 – “Questões recorrentes sobre o tema viagem no tempo”

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Nesse dia eu estava esperando um amigo na estação do metrô e perto das catracas estava um casalzinho. Na verdade não exatamente um casal, mais um garoto e uma garota.

Ela parecia ter uns quinze, daquelas meninas que cresceram mais rápido que os meninos da turma e perceberam essa informação ainda de uma maneira meio difusa, como uma mudança de ambiente que ela pressente mas não é capaz de precisar. Ele parecia ser da mesma idade, mas era menor, carregando a mochila dele, dela e um combo de cabelo cortado pela mãe, aparelho ortodôntico fixo e óculos escolhido sem muito critério que claramente pesava na vida dele mais do que todas as mochilas do mundo. Os dois estavam encostados na parede, ela olhando ansiosa pro outro lado da catraca, ele olhando ansioso pra ela, eu olhando ansioso para o candy crush porque sempre fico preso nas fases de transição já que me sinto sem graça de pedir que as pessoas me ajudem a desbloquear as etapas novas.

A questão é que independente da idade é fácil perceber que um cara está apaixonado. A gente gosta de dizer que as coisas mudam com o tempo, que existe algum elemento de maturidade, experiência ou cinismo na maneira com que um homem adulto que já se apaixonou mais vezes lida com essas situações, mas a verdade é que não existe. Existe apenas o olhar meio bobo, a linguagem corporal insegura, a cara de quem tá hesitando pra falar mas num dado momento vai falar assim mesmo. Seja você no baile de formatura do colégio, na festa da faculdade, na manhã de sábado olhando pra sua namorada que acabou de acordar e tentando evitar que ela perceba o quanto você babou no travesseiro durante a noite, tudo é basicamente a mesma coisa. E dava pra notar que o garoto das mochilas e do cabelo engraçado estava claramente apaixonado pela garota maior do que ele.

E foi exatamente enquanto ele estava olhando para ela com a mistura de olhos arregalados e boca vagamente entreaberta que denota o romance adolescente ou uma imitação mal sucedida de do personagem dom lázaro da novela meu bem, meu mal, que a pessoa que ela estava esperando chegou, um outro garoto. Maior – talvez dois anos mais velho, três? – com menos aparelhos ortodônticos e problemas de visão, um cabelo que possivelmente também poderia ter sido cortado pela mãe, mas envolveria um tipo de maternidade mais moderna, menos tradicional, com mais simpatia pelo jogador Neymar.

Ele passou pela catraca, ela se jogou nos braços dele, o coração do garoto menor se quebrou com um som que uma pessoa atenta poderia ouvir acima das pessoas gritando, dos vagões chegando, do perturbador som ambiente de cuícas que algumas estações de metrô no rio começaram a exibir e que eu sinceramente nunca entendi. Por que cuíca, certo? Cuíca, galera?

Nessa hora a garota pegou a mochila, se despediu dele. O garoto maior deu aquele tapinha amistoso nas costas que reservamos para incentivar crianças pequenas a não desistir do ping pong recreativo ou de aprender a andar de bicicleta e ele e ela foram para a saída do metrô. Ele com a mão na cintura dela, ela sorrindo, o menino menor olhando de maneira tão desolada que eu conseguia imaginar uma música indie tocando, os créditos rolando, talvez uma chuva dentro do metrô, o que quando a gente tá no rio de janeiro nem é tão improvável assim.

E eu pensei em falar com o garoto. Explicar que bem, essas coisas acontecem, não apenas no colégio, mas também depois dele. Vão existir outras garotas, com algumas vai ser melhor, com algumas vai ser ainda pior, mas que isso não é necessariamente um fracasso mas sim um ponto numa trajetória que vai ter um monte de altos e baixos. Que várias vezes ele vai gostar de uma garota e ela não vai entender, algumas vezes garotas vão gostar dele de maneira que ele não compreende, num dado momento ele pode até achar alguém que vê nele coisas que ele mesmo não vai ser capaz de ver e vai ser pra ela que ele vai tentar parecer um pouco menos babado quando acordar de manhã.

Explicar que a adolescência é um momento complicado mas que um dia ele ainda vai olhar com saudade pra essas lembranças. Dizer que um dia ele vai poder escolher onde cortar o próprio cabelo, que aparelhos ortodônticos ainda que nem sempre funcionem tendem a valer a pena no final e que óculos é um lance com o qual você se acostuma com o passar dos anos. Falar que carregar mochila pesada dos outros vai fazer mal pra postura dele, quem sabe.

Mas aí eu parei pra pensar, vi que ia ser um cara de trinta anos puxando papo com um moleque de quatorze numa estação de metrô, ia ser esquisito pra cacete e preferi apenas aproveitar o tempo sobrando pra recarregar meu rio card. Quando passou por mim o garoto tava segurando o choro mas tenho certeza que vai ficar tudo bem, só ele ignorar o barulho de cuíca e não pensar em coisas ruins.

6 Comentários

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6 Respostas para “Mini-conto #18 – “Questões recorrentes sobre o tema viagem no tempo”

  1. Essa é a vida. Triste. A cena na minha mente estava como você descreveu, chovendo no metrô, de preferência apenas em cima do garoto e ao fundo tocando “piledriver” hehehehe

    Pior ainda é nos identificarmos nessas situações.

  2. Diogo

    Às vezes seus textos são tão bons, tão contundentes ou engraçados, que simplesmente não sei o que comentar, só, talvez, parabéns pelo ótimo trabalho, admiro muito seus textos.

  3. Pingback: Aí… | Blog Pra falar de coisas

  4. Você poderia ter dito pro garoto ver Alta Fidelidade…

    “It would be nice to think that since I was 14, times have changed. Relationships have become more sophisticated. Females less cruel. Skins thicker. Instincts more developed. But there seems to be an element of that afternoon in everything that’s happened to me since. All my romantic stories are a scrambled version of that first one.” – Rob Gordon.

  5. Pois é, cara.. A vida, a vida ela é uma caixinha de surpresas cíclica.

    A propósito, aquele som de cuíca é de uma música que fica tocando em looping eterno. Sim, uma música. Ela tem um trombonista excelente e um ritmo difícil de entender. Gosto dos pios que tem em algumas estações, tentando enganar nossos cérebros, levando-os a acreditar que todo aquele monte de concreto e aço é natural.

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