Breves entrevistas com corretores hediondos

Como posso já ter comentado anteriormente, eu estou procurando um apartamento novo. Um tanto pela da necessidade de morar sozinho, um bocado por causa do reajuste proposto para o nosso atual apê – na casa dos 878, 3% – um pouco por conta do fato de que eu e Tarcisio finalmente entendemos que apenas em seriados americanos e vilas militares é comum que homens heterossexuais perto da faixa dos 30 anos morem juntos. Sério, as pessoas estranham e a garota do censo fez piadinhas. Não foi legal.

E como muitos de vocês provavelmente sabem, eu moro no Rio. Sim, o Rio, a proverbial cidade maravilhosa, dotada de um dos maiores custos de vida do país e onde, por conta da realização das olimpíadas e da copa, conseguimos levar a especulação imobiliária para o próximo nível, com quitinetes que tem preço de apartamentos de um quarto, apartamentos de um quarto que tem preço de apartamentos de dois quartos e apartamentos de dois quartos que tem valor estimado acima do PIB da Líbia e com os quais você poderia tranquilamente financiar dez anos de pesquisas sobre algum vírus ou reduzir em 10% a fome na África.

Dentro desse contexto eu soube desde o começo que o processo não seria fácil, é claro. Afinal, estava procurando não apenas um apartamento na zona sul, próximo ao metrô e numa rua tranqüila como também fazia questão de alguns itens de luxo como um quarto onde coubesse minha cama, uma cozinha onde eu não tivesse que optar entre fogão e geladeira e um banheiro onde o vaso sanitário não ficasse necessariamente debaixo do chuveiro, junto com a pia, exatamente ao lado da bancada da cozinha, onde também deve ficar o ar-condicionado. Ou seja, assim como Susan Boyle, eu estava buscando um sonho.

Mas uma coisa que eu não poderia imaginar, mesmo ciente da especulação imobiliária, dos altos preços de aluguel na cidade e do fato de que, bem, aqui no Rio as coisas podem às vezes ficar meio caóticas, é o quanto o atual contexto da cidade afetou a atuação dos corretores e imobiliárias cariocas, já reconhecidamente poucos simpáticos, não tão prestativos e vagamente ríspidos – acho que apenas no Rio você pode ter a oportunidade de ligar pra uma imobiliária, dizer que está procurando um apartamento e ser respondido com um “e eu com isso?”.

Isso porque, se num contexto normal, onde a oferta é proporcional á demanda, os valores estão no campo do razoável e não existe nenhum fator externo de aquecimento do mercado, lidar com os corretores daqui já não é uma experiência das mais agradáveis – a única ocasião após o ensino médio na qual alguém desconhecido me zoou por eu ser meio gago foi numa visita a apartamento em 2009, por exemplo – num contexto de demanda forte, oferta restrita, preços em alta e bolha imobiliária os corretores cariocas se tornam, basicamente, pessoas sem limites.

Primeiro porque abandonam qualquer ligação, ainda que tênue com a realidade. Conjugados são anunciados como apartamentos de dois quartos – “porque se tem 3 janelas são 3 cômodos, não é verdade”- ruas tem sua localização geográfica alterada sem aviso prévio – “pra você é dona marta, mas pra mim é botafogo. vamos concordar em discordar, que tal?” – além de outras pequenas dissociações, como ver no site uma foto do apartamento pintado e reformado, descobrir que ele na verdade está destruído e mofado e após perguntar o que houve escutar que a foto recebeu “alguns retoques artísticos, mas a estrutura é a mesma”.

Depois porque, se numa situação de equilíbrio um corretor não parece se sentir exatamente obrigado a ser educado, numa situação de vantagem clara ele pode variar entre a descortesia, a antipatia e a hostilidade declarada. Por diversas vezes visitei apartamentos onde o corretor me apresentou o apartamento sem parar de falar ao celular, se recusou a tirar dúvidas ou mesmo não quis entrar no imóvel, culminando na visita em que um corretor apenas abriu a porta com o pé, me esperou do lado de fora do apartamento e, quando eu saí pra fazer uma pergunta me respondeu com um “deixa de gracinha, vai fazer proposta nessa merda ou não?”, atitude que provavelmente, se eu não tivesse ido embora, teria sido seguida do roubo do meu lanche e de uma tentativa de cuecão na frente do resto da turma ou algo assim.

Somando a isso a imensa facilidade para negociar com as imobiliárias cariocas – “senhor, para alugar esse imóvel o senhor vai precisar de xerox de identidade, CPF, certidão de nascimento, carteira de motorista, comprovante de residência, renda, seis fiadores e acertar quantas bolas de ping pong existem nesse barril que eu tenho aqui atrás do balcão, sem olhar e…opa, olhou, agora são nove fiadores” – você tem um cenário no qual alugar um apartamento é um tanto quanto mais complicado do que deveria.

Portanto aviso aos amigos que, ainda que já significativamente encaminhado em minha busca pela casa nova – estou hoje resolvendo pendências para assinar o contrato – se eu, neste final de ano, atualizar menos o blog, desaparecer das redes sociais ou incluir esparsamente nos textos frases como “malditos corretores” ou “seguro-fiador no seu c*, seu filho da p***”, é apenas e claramente por conta disso, nada mais. Fora que eu ainda tenho que empacotar as coisas, comprar móveis, procurar uma empresa de mudanças e assinar de novo a Net. Meus deus, cara, eu ainda preciso lidar com o pessoal da Net. Sério, não estranhem se eu só voltar a atualizar lá pro meio de maio. Forte abraço a todos.

28 Comentários

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28 Respostas para “Breves entrevistas com corretores hediondos

  1. Todos os imóveis que procurei pela zona sul foram assim. Quando comecei a procurar pela Tijuca – onde moro atualmente – as coisas mudaram. Os apartamentos começaram a ter exatamente o número de cômodos anunciados, os preços voltaram pra realidade e os corretores até que eram aturáveis. rs
    Acho que por ser na Zona Sul eles se veem no direito de serem grosseiros, afinal, sempre vai ter alguém que ai querer o apartamento, ele sendo grosseiro ou não não é?
    Boa sorte aí, mudar é bom mas sei bem a trabalheira que dá.

    • joão baldi jr.

      Valeu, Amanda, eu realmente tô considerando a Tijuca pra quando eu for comprar um apê, tem umas áreas muito bacanas, tranquilas e com preços racionais (tenho apenas alguns problemas com o metrô lotado e a sensação de ser encoxado como se estivesse dançando forró com várias pessoas desconhecidas)

      • O metrô em horário de Rush é complicado mesmo. rs
        Mas igual, eu moro perto da saens pena então eu sempre consigo ir sentada. Na hora de voltar que fica tenso mas eu volto de ônibus e pego ele no ponto “final” então acaba dando pra conseguir vir sentadinha e tal.
        Olha, não estou puxando a sardinha pro meu lado não mas aqui é sim um ótimo lugar pra se viver. A parte ruim é porque é longe da praia, infelizmente :/

  2. Me identifiquei muito, apesar dos corretores aqui de São Paulo ainda não terem chegado neste nível de polidez e amabilidade.

    • joão baldi jr.

      Falta um pouco da malícia carioca. Em todos os estados as pessoas sabem ser grosseiras, mas no Rio tem uma malandragem na grosseira que é apenas impossível de replicar.

  3. Hm,aqui no Rio Grande do Sul, quando eu e uns amigos procuramos kitnet para passar o semestre, o que mais ouviamos era: ” Vocês não são gaúchos? Hm, então, o preço é mais alto para estrangeiros…” e saíam assobiando o hino da revolução farroupilha.

    Mas não tinha o grau de civilidade que você descreveu…

    • joão baldi jr.

      É a versão imóvel dos ambulantes que vendem a coca cola lata a dez euros pra todos os estrangeiros, certo?

  4. Marco Antônio Arthuso

    João,
    Se fosse aqui em Minas Gerais, o corretor ia querer saber de quem você é filho. Se seus pais estudaram juntos. Contar que a filha da dona da casa tá gravida daquele moço festeiro que não quer nada com a dureza, e tudo isso tomando café e comendo pão de queijo enquanto ele liga pra um primo dono de uma caminhonete que pode buscar seus trem.

    Sério, lugar melhor não há!

  5. Bom, o que eu posso dizer senão que safadeza é uma espécie de marca registrada entre os corretores. Eu imagino que todos eles devam fazer um curso de “como ser babaca” antes de começarem a trabalhar.

  6. Lucas

    Como eu sempre digo, o mercado imobiliário é a prova cabal de que alguns crimes como extorsão, furto e assédio moral são completamente institucionalizados.

    Essa posição de poder das imobiliárias e corretores é um dos maiores problemas de capitais e, provavelmente, um dos maiores pavores do garoto do interior que veio aqui ver o que rola na cidade grande. Sério, qualquer conversa com a imobiliária é a definição exata do sábio provérbio “aqui é onde o filho chora e a mãe não vê”. Dá vontade de sair correndo e dizer PAI, RESOLVE PRA MIM.

  7. francine

    Morri de curiosidade com o lugar/valor do seu novo apê… rs

    • joão baldi jr.

      Olha, tô pagando o valor de mercado, acho. Mas dei sorte porque achei um lugar reformado, com porteiro, pintado, etc (porque sim, eu visitei vários apartamentos que lembravam demais o storyboards do filme joe e as baratas). Quanto ao local, é no Largo do Machado (e não posso dizer mais do que isso porque minha mãe lê o blog esporadicamente e ia ficar chateada se eu desse meu endereço pra pessoas na internet)

  8. Lili

    Por favor, por favor, diz que você inventou 86% dessas situações.

    • Também achei tenso. Como estou disposto a acreditar na boa vontade da humanidade (claro, isso no sábado antes da última rodada do Brasileirão. Se o Corinthians perder o título amanhã, eu vou querer mais é que a humanidade inteira se foda), vou considerar que a liberdade criativa do autor está aumentando ligeiramente os fatos.

  9. Quando fui alugar o meu apartamento, demorou, mas consegui achar um legal, com um preço razoável (caro, mas possível de pagar dividindo com mais duas amigas). A moça da imobiliária foi super legal, conseguiu um desconto e eu acabei alugando o único apartamento na faixa de preço que a gente queria em Copacabana que tinha área de serviço.

  10. João, os graçons cariocas migraram pras corretoras?

  11. Aqui em Goiânia, os corretores são mais legais. Bem, dependendo é claro, da região em que você pretende morar. Mas, as imobiliárias são complicadas… cheias desses quereres que você descreveu aí. Tem outra coisa, também… Aqui o pessoal ainda faz negócios sem o intermediário, tornando a coisa (aluguel/compra/venda) mais pessoal. O problema é quando fica pessoal demais, se é que me entende. Ah, e sua mãe está certa.

  12. Pengo

    HAHAHAHAHAHAHAHA Genial, muleke, genial!!!!

  13. Danielle

    nossa, não sabia q tinha gente mal educada no rio de janeiro!!!
    como paulistana, todas as vezes q vou pra ai, volto impressionada com a simpatia e o “desestressamento”do povo, huhhuuh

  14. Thati

    Olha, não tem nada a ver com o post, mas vc já leu Mauá – empresário do império? É que quando os cariocas começam com esse papo de “lá na barra” e tals (que eu não entendo patavinas), eu lembro do RJ do livro, e de como eu preciso fazer o passeio histórico da cidade.

  15. O_Pulga

    Calma, ainda tem que instalar os serviços básicos na sua casa (gás, TV, telefone, internet….).
    Fora que provavelmente ainda falta vocês devolverem o ap de vocês. Terão que deixar o apartamento conforme estava antes, e, na visão da imobiliária, o antes era um ap com acabamento de luxo recém entregue pela construtora, por mais que fosse antes um apartamento caindo aos pedaços!
    Ai sim você verá o que é o verdadeiro inferno!

  16. Rá, morram de inveja pessoal do RJ. Aqui em SC os corretores são super legais, não temos problemas de metrô lotado (isso advém do fato de não termos metrôs) e como o estádio do Figueirense FC não foi escolhido pra sediar a copa, não temos problema de bolha imobiliária xD

  17. alice

    hahaha adorei o post e alguns comentários. acho engraçado (-n) esse lance de especulação imobiliária pq da noite pro dia virei uma semi-milionária: meu ap sala e quarto está valendo quinhentão. já pensei em vender e sair de copacabana, mas fico com preguiça… esse bairro me acostumou mal :/

    adoro os posts falando mal dos cariocas e do rio, me sinto vingada (por ter nascido aqui, talvez)

  18. Camila

    agora já sei de onde o mercado imobiliário de Brasília importou os “bons modos”!!!

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