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Mini-conto #21 – “Adventure Comics 330″

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Quando ela ligou o rádio do carro a música deles estava tocando. Por um segundo a mão tremeu, ela não conseguiu apertar o botão certo, ouviu todo o refrão. Mudou de estação. Respirou fundo, abriu a janela, saiu com o carro.

No caminho a rua de sempre estava fechada, teve que pegar um desvio. Cruzou duas ruas que não conhecia muito bem e quando reconheceu o caminho outra vez estava passando na frente do bar onde eles tinham se conhecido. Acelerou um pouco mais, quase furou um sinal, colocou a mão no porta-luvas pra procurar por alguma coisa sem nem saber o que era.

Escritório. Na entrada a Fernanda estava esperando com umas pastas, ela tentou desviar mas as duas acabaram no mesmo elevador. Ela não falou sobre ele, não perguntou, apenas cumprimentou como se não tivesse nada pra falar. As duas sorriram um pouco sem graça. O elevador pareceu demorar o dobro do tempo pra chegar no oitavo andar.

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Mini-conto #20 – “Sobre a terceira temporada de Fringe”

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Na chamada Terra #2 eles não se conheceram. Os pais dela tinham ido pra outros país por causa de trabalho, ele quase nunca saía do interior, se cruzaram uma vez num aeroporto, ele teve a sensação de que aquela garota era familiar, de um jeito esquisito, mas não se preocupou muito.

Na Terra #4 eles se conheceram uma noite numa festa, ela era namorada de um amigo do irmão, ele era o cara contrariado bebendo drinks com guarda chuvinha. A festa não foi boa, duas garotas passaram mal, um amigo vomitou num chapéu, dois conhecidos foram colocados pra fora. Pessoas se perderam no estacionamento, no final os dois acabaram tendo que dividir um táxi. Ele achou que ela era bonita, ela achou que ele era engraçado, ele pensou em pedir o telefone dela, ela pensou que, se ele pedisse, ela não poderia dar. Se despediram um pouco sem graça, ela deixou dinheiro a mais na parte dela da corrida, ele só notou depois, se sentiu culpado. Nunca mais se viram.

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Mini-conto #19 – “Submarino”

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Primeiro eu tinha que esquecer o seu sorriso. Esquecer a sua boca, esquecer as covinhas do seu rosto, esquecer o jeito como a sua franja caía pela sua testa, como você prendia o cabelo atrás da orelha. Depois esquecer a sua risada, esquecer o som da sua voz, esquecer o seu jeito de cantarolar, esquecer o sotaque que você achava que tinha perdido mas eu notava, esquecer o jeito como você piscava pra mim quando achava que ninguém estava olhando.

Depois seriam as coisas maiores. O seu jeito de encostar os pés nos meus na cama, o gosto da sua boca, a sensação da sua cabeça no meu ombro enquanto a gente assistia algum filme chato no sofá, as suas mãos debaixo da minha camisa pra se esquentar quando sentia frio. Os abraços quando a gente se encontrava, os beijos quando a gente se despedia, você apertando a minha mão quando alguém estranho passava do nosso lado na calçada.

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Mini-conto #16 – A nossa sexta última vez

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Da primeira vez ela foi embora por dois dias. Na sexta à noite ela disse que as coisas estavam indo rápido demais, que precisava pensar, mas que achava que a resposta era não. Me telefonou enquanto eu cochilava no sofá da minha mãe pra dizer que na verdade era um talvez, se eu ainda quisesse. Eu disse que queria.

Da segunda vez ela foi embora por quase uma semana. Disse que tinha sido um erro, que não queria assim. Não atendia o telefone, não descia na portaria. Apareceu na frente do meu trabalho e disse que a gente deveria beber um café, mas eu nunca bebi café. Falou que as vezes ela duvidava e eu disse que todo mundo duvida às vezes, o que era mentira, porque eu sempre tive certeza.

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Mini-conto #15 – Diabolyn

wildfireEm minha defesa eu preciso dizer que fui pego de surpresa.

Era uma viagem de reconciliação, sabe? Eu tinha pisado na bola, ela tinha sido muito dura, passamos uns dias sem se falar. Eu telefonei primeiro, ela me ignorou, eu tive que telefonar de novo, mandei mensagens. Ela não queria me ver, eu tive que telefonar pra uma amiga, descobri que não era tão minha amiga. Tive que esperar na porta da casa dela, levei flores, estava chovendo, elas chegaram amassadas. Ela demorou pra voltar e eu peguei no sono na porta, só acordei com ela tentando entrar sem eu perceber.

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Mini-conto #14 – “Pilates”

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Eu gosto de pensar que era uma noite chuvosa. Que você me esperou dormir e me deu um beijo na testa antes de pegar as suas coisas. Separou algumas roupas às pressas se aproveitando do meu sono pesado, não achou sua mala, pegou uma das minhas. Lá fora fazia frio. Você hesitou antes de abrir o portão e enquanto parava um táxi pensou em voltar. Mas vendo as luzes se aproximarem teve certeza que era a decisão certa. Enquanto ele colocava suas coisas no porta-malas você olhou uma última vez pra luz acesa na sala do nosso apartamento e timidamente sorriu. Então você foi embora.

Gosto de acreditar que foi aos poucos. Não acho que nenhum amor comece com um estalo ou algum romance termine com uma explosão. Sempre duvidei de big bangs emocionais e achei que essas coisas acontecessem aos poucos. Da mesma forma que a gente começou durante semanas, em cada encontro, em cada beijo, em cada noite em claro na sala, a gente deve ter terminado durante meses. Em cada telefonema curto, em cada data esquecida, em cada manhã sem tempo, eu devo ter te perdido um pouquinho sem nem perceber. Acho que não foi você que terminou, nós já tínhamos terminado sozinhos. Você só foi a primeira a perceber.

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Mini-conto #13: “Comédia romântica”

Nas comédias românticas as pessoas gostam de dizer que se lembram tudo. Que você usava vermelho, que a lua estava cheia, que nós pedimos macarrão, que o táxi atrasou, que o garçom era engraçado, que o seu perfume tinha algo de jasmim. Eu lembro que você me esperava na frente de uma banca de jornal, que quase não conseguimos achar um bar, que as pessoas falavam alto em torno da gente, que um garotinho se ofereceu pra fazer alguma coisa em troca de dinheiro – falar os dias da semana em inglês,foi isso? – e você foi muito simpática com ele e achei isso muito bacana em você. Eu não lembro exatamente da sua roupa, eu não lembro exatamente da lua, ou se estava frio, ou se estava quente, mas eu lembro que você estava com uma câmera e eu fiquei inseguro pensando se esse era um plano de emergência caso eu fosse muito chato – “ei, desculpa sair assim, mas esqueci que precisava fotografar uns canários agora à noite pra um trabalho e olha só, esse é meu táxi, tchau”. E no tempo que eu precisasse pra perguntar se canários efetivamente saem à noite e que tipo de trabalho era aquele você ia ter ido embora, algo assim. Mas naquela noite você ficou. E ainda consigo lembrar do primeiro sorriso que você me deu.

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Mini-conto #12: As incríveis aventuras espaciais de Adam Strange no planeta Rann

De madrugada o telefone tocou e era alguém procurando Orlando. Depois disso não consegui mais dormir direito, rolei na cama, tomei três copos d’água. Quando finalmente peguei no sono o despertador tocou, fui tentar caminhar em direção ao banheiro ainda de olhos fechados e bati com a cabeça na porta. Não achei meu chinelo, o aquecedor não funcionava, tomei banho frio. Tia da roupa não tinha vindo na véspera, vesti aquela calça jeans de quando eu estava gordo, coloquei a camisa que estava em cima da cadeira. Essa era a que eu tinha separado pra lavar na noite anterior porque tinha uma mancha de molho na manga. Só notei quando já estava dentro do metrô.

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Mini-conto #9: “O eterno não dá”

Da primeira vez ele reparou nela, assim que chegou no bar. Ele estava voltando do trabalho, com três amigos e ela estava comemorando o aniversário da irmã. Ele gostou do jeito como ela sorria, achou bonitinha a forma como ela mexia no cabelo, sorriu quando viu que ela era a única bebendo coca-cola numa mesa cheia de tequilas. Ela nunca ficou sabendo, mas foi o melhor amigo dele que vomitou no pé dela naquela noite, logo na saída do banheiro.

Na segunda vez ela reparou nele. Era uma festa, e os dois estavam na fila do bar, ela queria uma cerveja e ele estava planejando pedir um mojito. Quando chegou a vez dele, olhou pra trás, viu a garota e perguntou se ela queria pedir primeiro. Ela aceitou e saiu achando que ele era um cara estranhamente educado, mas bem bonitinho. Ele respirou aliviado porque sempre ficava sem graça de pedir mojitos na frente de garotas. Mojito era meio bebida de veadinho.

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Mini-conto #8: “Aquele que…”

E era um sábado, por volta das oito. Eles estavam na cama, ela encostada no peito dele, ele lendo uma revista antiga do Batman.

“Você sabe que relacionamentos são coisas complexas, certo?”

“Humm…o que?”

“Relacionamentos. Você sabe que são coisas complexas, certo? Cheios de nuances, cheios de detalhes. Certo?”

“Humm…certo…”

“E que, assim, você não pode, sei lá, reduzir, resumir, sintetizar, tudo que acontece dentro de um romance, de um relacionamento, desse evento que é…sei lá…único, numa frase, numa sentença. Não dá pra avaliar, qualificar, descrever toda essa experiência que é estar com alguém com um resumo de duas linhas, não é?” Continuar lendo

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